The Brooklyn Bridge: Variation on an Old Theme, 1939
"Então, com o vulto coberto pela boa lama das fábricas - empaste de escórias metálicas, de suores inúteis, de fuliges celestes -, contundidos e enfaixados os braços, mas impávidos, ditamos nossas primeiras vontades a todos os homens vivos da terra:
1. Queremos cantar o amor do perigo, o hábito da energia e da temeridade.
2. A coragem, a audácia e a rebelião serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Até hoje a literatura tem exaltado a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono. Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro.
4. Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um carro de corrida adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explosivo... um automóvel rugidor, que parece correr sobre a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia.
5. Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita.
6. O poeta deve prodigalizar-se com ardor, fausto e munificência, a fim de aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.
7. Já não há beleza senão na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças ignotas para obrigá-las a prostrar-se ante o homem.
8. Estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveremos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Vivemos já o absoluto, pois criamos a eterna velocidade onipresente.
9. Queremos glorificar a guerra - única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo da mulher.
10. Queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academias de todo tipo, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.
11. Cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos a maré multicor e polifônica das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas: as estações insaciáveis, devoradoras de serpentes fumegantes: as fábricas suspensas das nuvens pelos contorcidos fios de suas fumaças; as pontes semelhantes a ginastas gigantes que transpõem as fumaças, cintilantes ao sol com um fulgor de facas; os navios a vapor aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de amplo peito que se empertigam sobre os trilhos como enormes cavalos de aço refreados por tubos e o vôo deslizante dos aeroplanos, cujas hélices se agitam ao vento como bandeiras e parecem aplaudir como uma multidão entusiasta.
É da Itália que lançamos ao mundo este manifesto de violência arrebatadora e incendiária com o qual fundamos o nosso Futurismo, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, arqueólogos, cicerones e antiquários.
Há muito tempo a Itália vem sendo um mercado de belchiores. Queremos libertá-la dos incontáveis museus que a cobrem de cemitérios inumeráveis.
Museus: cemitérios!... Idênticos, realmente, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos onde se repousa sempre ao lado de seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos dos matadouros dos pintores e escultores que se trucidam ferozmente a golpes de cores e linhas ao longo de suas paredes!
Que os visitemos em peregrinação uma vez por ano, como se visita o cemitério no dos dos mortos, tudo bem. Que uma vez por ano se desponta uma coroa de flores diante da Gioconda, vá lá. Mas não admitimos passear diariamente pelos museus nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa mórbida inquietude. Por que devemos nos envenenar? Por que devemos apodrecer?
E que se pode ver num velho quadro senão a fatigante contorção do artista que se empenhou em infringir as insuperáveis barreiras erguidas contra o desejo de exprimir inteiramente o seu sonho?... Admirar um quadro antigo equivalente a verter a nossa sensibilidade numa urna funerária, em vez de projetá-la para longe, em violentos arremessos de criação e de ação.
Quereis, pois, desperdiçar todas as vossas melhores forças nessa eterna e inútil admiração do passado, da qual saís fatalmente exaustos, diminuídos e espezinhados?
Em verdade eu vos digo que a frequentação cotidiana dos museus, das bibliotecas e das academias (cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registros de lances truncados!...) é, para os artistas, tão ruinosa quanto a tutela prolongada dos pais para certos jovens embriagados por seu os prisioneiros, vá lá: o admirável passado é talvez um bálsamo para tantos os seus males, já que para eles o futuro está barrado... Mas nós não queremos saber dele, do passado, nós, jovens e fortes futuristas!
Bem-vindos, pois, os alegres incendiários com seus dedos carbonizados! Ei-los!... Aqui!... Ponham fogo nas estantes das bibliotecas!... Desviem o curso dos canais para inundar os museus!... Oh, a alegria de ver flutuar à deriva, rasgadas e descoradas sobre as águas, as velhas telas gloriosas!... Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas!
Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: resta-nos assim, pelo menos um decênio mais jovens e válidos que nós jogarão no cesto de papéis, como manuscritos inúteis. - Pois é isso que queremos!
Nossos sucessores virão de longe contra nós, de toda parte, dançando à cadência alada dos seus primeiros cantos, estendendo os dedos aduncos de predadores e farejando caninamente, às portas das academias, o bom cheiro das nossas mentes em putrefação, já prometidas às catacumbas das bibliotecas.
Mas nós não estaremos lá... Por fim eles nos encontrarão - uma noite de inverno - em campo aberto, sob um triste galpão tamborilado por monótona chuva, e nos verão agachados junto aos nossos aeroplanos trepidantes, aquecendo as mãos ao fogo mesquinho proporcionado pelos nossos livros de hoje flamejando sob o vôo das nossas imagens.
Eles se amotinarão à nossa volta, ofegantes de angústia e despeito, e todos, exasperados pela nossa soberba, inestancável audácia, se precipitarão para matar-nos, impelidos por um ódio tanto mais mais implacável quanto seus corações estiverem ébrios de amor e admiração por nós.
A forte e sã Injustiça explodirá radiosa em seus olhos - A arte, de fato, não pode ser senão violência, crueldade e injustiça.
Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: no entanto, temos já esbanjado tesouros, mil tesouros de força, de amor, de audácia, de astúcia e de vontade rude, precipitadamente, delirantemente, sem calcular, sem jamais hesitar, sem jamais repousar, até perder o fôlego... Olhai para nós! Ainda não estamos exaustos! Nossos corações não sentem nenhuma fadiga, porque estão nutridos de fogo, de ódio e de velocidade!... Estais admirados? É lógico, pois não vos recordais sequer de ter vivido! Eretos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas!
Vós nos opondes objeções?... Basta! Basta! Já as conhecemos... Já entendemos!... Nossa bela e mendaz inteligência nos afirma que somos o resultado e o prolongamento dos nossos ancestrais. - Talvez!... Seja!... Mas que importa? Não queremos entender!... Ai de quem nos repetir essas palavras infames!...
Cabeça erguida!...
Eretos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas."
(Teorias da Arte Moderna, H.B.Chipp, Martins Fontes, 1993)
O Futurismo, nascido dois anos depois do Cubismo, valeu-se de uma arte agressiva para provocar o público. Único movimento italiano de vanguarda, no entanto o mais radical de todos, por pregar ruidosamente a anti-tradição. Ao contrário de movimentos como o Fauvismo e o Cubismo, que foram assim chamados por seus antagonistas, o Futurismo escolheu seu próprio nome e propagou suas idéias através de manifestos.O futurismo é a concretização desta pesquisa no espaço bidimensional. Procura-se neste estilo expressar o movimento real, registrando a velocidade descrita pelas figuras em movimento no espaço. O artista futurista não está interessado em pintar um automóvel, mas captar a forma plástica a velocidade descrita por ele no espaço.
Fundado por Filippo Tommaso Marinetti com a publicação do Manifesto fundador do Futurismo (1909), tinha o intuito de que as artes demolissem o passado e tudo o mais que significasse tradição, e celebrassem a velocidade, a era mecânica, a eletricidade, o dinamismo, a guerra. Surgiu como uma forma de superar as novas tendências e correntes artísticas de então, adiantando-se a todas elas. A Marinetti juntaram-se Umberto Boccioni, Luigi Russolo e Carlo Carrà, autores do Manifesto dos pintores futuristas, 1910 (no mesmo ano, Boccioni redigiria o Manifesto técnico da pintura futurista ). Um ano depois aconteceria a primeira grande exposição futurista, que contaria com 50 obras desses artistas, as quais chamaram a atenção mais pelo tema que pela linguagem, embora insistissem no fato de que a tecnologia e o progresso deveriam ser expressos em novas e audaciosas formas de arte.
Com a guerra de 1914, o Futurismo chegou ao fim. Artistas como Boccioni sucumbiram em combate, outros à tradição. Marinetti a ideais políticos, ajudando o Fascismo a chegar ao poder. Alguns jovens artistas tentaram reavivá-lo após 1918, mas sem sucesso; porém, sua influência sobre os outros movimentos modernos foi importante e duradoura.
Sites da Pesquisa:
http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo1/construtivismo/cubismo/futurismo/index.html
http://www.historiadaarte.com.br/linha/futurismo.html
http://www.artlex.com/ArtLex/f/futurism.html